PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
Processo N° 0020241-24.2014.4.01.3400 - 20ª VARA FEDERAL
Nº de registro e-CVD 00106.2014.00203400.1.00224/00033
DECISÃO Nº _______/2014.
Processo: 20241-24.2014.4.01.3400
Ação Ordinária/Outras
Autor Município de Juína - MT
Ré Fundação Nacional do Índio – FUNAI
D E C I S Ã O
MUNICÍPIO DE JUÍNA – MT ajuizou a presente ação ordinária em face da
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI, objetivando, em sede de antecipação de tutela, a
suspensão do processo administrativo (e dos estudos antropológicos e complementares) de
ampliação dos limites da terra indígena Enawenê Nawe, em especial a publicação do relatório
circunstanciado de identificação e delimitação da revisão dos limites da referida terra indígena,
preservando, portanto, a paz social no território do requerente.
Alega, em suma, que: a) em seu território está incluída a terra indígena Enawenê-
Nawe, homologada pelo Decreto Presidencial de 02/10/1996 (fls. 51/52); b) a ré, por intermédio
das Portarias nºs 1.070/PRES. de 30/7/2007 e 958/PRES. de 8/8/2013, iniciou o processo de
ampliação da referida terra indígena; c) nomeou antropólogo de sua confiança para acompanhar
os trabalhos de estudo de ampliação. Contudo, foi indeferida a participação de seu representante
técnico; d) o processo administrativo de demarcação de terras não observou o direito de defesa
do município.
Instada a se manifestar sobre o pedido de antecipação de tutela, a Ré apresentou
seu parecer às folhas 405/432 aduzindo que:
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Documento assinado digitalmente pelo(a) JUÍZA FEDERAL ADVERCI RATES MENDES DE ABREU em 21/05/2014, com base na Lei 11.419 de
19/12/2006.
A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 39190013400201.
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“Nos termos do Decreto n° 1.775/96, após aprovado o relatório referente ao
estudo antropológico de identificação e estudos complementares, e publicado o
mesmo - no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se
localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da
área, afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel – a autoridade
federal competente ainda terá que aguardar o prazo de noventa dias após a
publicação, no qual poderão os Estados e municípios em que se localize a área sob
demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de
assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como
títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias
e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou
parciais, do relatório.
Ou seja, nenhum prejuízo, muito menos irreparável ou de difícil reparação, do
Município de Juína/MT, em aguardar a regular tramitação do feito administrativo.”
É o breve relato.
DECIDO
Para a concessão da antecipação de tutela é necessária a presença concomitante
de dois requisitos: a verossimilhança das alegações (fumus boni iuris), e o fundado receio de dano
irreparável e de difícil reparação (periculum in mora).
No caso em tela, verifico a presença dos dois requisitos.
Inicialmente, registro que este Juízo, em outras ocasiões, já se posicionou contrário
à alegação da Ré de que “autoridade federal competente ainda terá que aguardar o prazo de
noventa dias após a publicação, no qual poderão os Estados e municípios em que se localize a
área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de
assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, (...).Ou seja, nenhum
prejuízo, muito menos irreparável ou de difícil reparação, do Município de Juína/MT, em
aguardar a regular tramitação do feito administrativo.”
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A propósito destaco trecho da decisão proferida no Mandado de Segurança n°
51408-93.2013.4.01.3400, que possui as mesmas partes:
“Para o caso específico em apreço há, ainda, a sua subordinação ao
regramento trazido pelo Decreto n° 1.775/96, que versa sobre o procedimento
administrativo de demarcação de terras indígenas, de onde, por oportuno, reproduzo
os parágrafos 7º e 8º do artigo 2º:
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será
fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação
reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada
pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de
identificação.
(...)
§ 7° Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal de assistência ao índio,
este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber,
resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade
federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial
descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser afixada na sede da
Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
§ 8° Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias
após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os Estados e
municípios em que se localize a área sob demarcação e demais
interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao
índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos
dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias
e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais
ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.(grifei)
Nesses termos, observa-se que o legislador fixou dois momentos distintos a
serem observados de forma a conter o interregno em que poderão os Estados e
municípios apresentarem manifestação ao órgão federal de assistência ao índio,
instruídas com todas as provas pertinentes.
O primeiro momento tem como marco inicial o início do procedimento
demarcatório, ou seja, com a criação do grupo de técnico especializado, até
porque o legislador facultou às entidades civis, nesta fase de estudo, a oferta
de informações/manifestação sobre a área objeto da identificação, no prazo de
30 dias contados da data da publicação do ato que constitui o grupo técnico (§
5º do mesmo dispositivo anterior):
§ 5º No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que
constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas
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competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área
objeto da identificação.
O segundo momento se finda até noventa dias após a publicação do relatório
de identificação e delimitação da área a ser demarcada.
Portanto, nesse compasso, encontram-se desarrazoados e controversos à
norma acima transcrita os fundamentos da autoridade impetrada, em que defende
que: (1) “ainda não foi ultimado o primeiro ato decisório referente à Terra Indígena
Enawenê Nawe, qual seja, o despacho aprovando o Relatório Circunstanciado de
Identificação e Delimitação de Terra Indígena, estando ainda em fase de estudos pelo
Grupo Técnico constituído”; (2) “Além disso, importa ressaltar que o art. 2º, § 8º, do
Decreto nº 1.775/96 determino que o prazo para impugnar o Processo Administrativo
de Identificação e Delimitação encerra-se 90 (noventa) dias após a publicação do
Resumo do Relatório Circunstanciado”.
Nesse diapasão, não é crível que as autoridades impetradas entendam
que o município impetrante não possa conhecer ou previamente se manifestar a
respeito dos estudos técnicos que visam estender terra indígena já demarcada
dentro de seu território, antes da aprovação unilateral do relatório
circunstanciado pelo órgão federal de assistência ao índio, estudos esses, friso,
pautados na análise da natureza etno-histórica, sociológica, jurídica,
cartográfica, ambiental e cartográfica daquela região.
Com base em todo o exposto, infere-se que o direito de amplo acesso aos
autos pelo município impetrante retroage 30 dias após o início do procedimento
demarcatório, ou seja, da publicação da Portaria n° 1070/2007, que constituiu o grupo
técnico.
“O PRESIDENTE SUBSTITUTO DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO –
FUNAI, no uso das atribuições, conferidas pelo art. 23 do Estatuto aprovado
pelo Decreto n° 4645, de 25 de março de 2003, de conformidade com o art. 19
da Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e com o Decreto nº 1.775, de 8
de janeiro de 1996, resolve:
Nº 1.070 – Art. 1º - Constituir Grupo Técnico com o objetivo de realizar estudos
necessários à revisão de limites da Terra Indígena Enawenê-Nawê município
de Juína, composto por: (...)”
(Portaria n° 1070/PRES, DOU, 2ª Seção, 31.10.2007)”
Nesse contexto, partindo da pressuposto de que o procedimento demarcatório se
inicia com o ato que constitui o grupo técnico especializado, é inconteste o direito do município
autor se manifestar previamente a respeito dos estudos técnicos que visam ampliar terra indígena
dentro de seu território. Até porque tal participação inicial é assegurada ao grupo indígena
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envolvido, segundo o § 3º do art. 2º do Decreto nº 1.775/96, não restando razão, portanto, para
que seja vetada a participação do município interessado, sob pena de grave afronta ao princípio
da isonomia. Vejamos:
Art. 2° A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será
fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação
reconhecida, que elaborará, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo
titular do órgão federal de assistência ao índio, estudo antropológico de identificação.
(...)
§ 3° O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas
próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.
Vale dizer que a própria FUNAI assim entendeu, uma vez que, através do Ofício nº
674/Pres-Funai, de 20/12/2013, convidou o Prefeito do Juína/MT “a indicar representante do
governo deste município para participar de reunião relativa ao procedimento em pauta (reestudo
de limites da TI Enawne Nawe), a ocorrer na sede da Funai, em Brasília, na segunda quinzena de
janeiro de 2014. Na ocasião, poderão ser apresentados pelo representante documentos e/ou
informações considerados relevantes relativas à TI Enawne Nawe”. (fls.72).
O referido Ofício ainda foi reforçado po r outro o de n° 02/CGID/2014, de 30 de
janeiro de 2014. (fls. 76).
Ou seja, a FUNAI, na forma da lei, se dispõe a acolher documentos e/ou
informações produzidas pelo município ainda na fase de estudo do procedimento demarcatório.
Posição contrária àquela defendida em sua recente manifestação.
Nesse compasso, considerando os dois convites/ofícios emitidos pela Ré
facultando ao município autor participação nos procedimento de reestudo, se configura ilógico e
por demais contraditório o impedimento causado pelo Diretor de Proteção Territorial da FUNAI, ao
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vetar a participação do representante do município no procedimento mencionado.
A vedação imposta pelo Diretor da FUNAI ao acesso à reunião/fase se reveste de
total ilegalidade por expressa afronta à disposições da Lei nº 9.784/94( arts. 2º e 3º) , que regula o
procedimento administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Eis os dispositivos:
“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade,
ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os
critérios de:
...
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à
produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam
resultar sanções e nas situações de litígio;
“Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem
prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar
o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a
condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles
contidos e conhecer as decisões proferidas;” (g.n.)
Tudo isso considerado, é imperioso concluir pelo inegável cerceio ao direito do
município à ampla participação nos procedimentos administrativos de reestudo dos limites da TI
Enawene Nawe, tratamento visivelmente discrepante daquele dispensado ao grupo indígena
envolvido, razão pela qual, com base no princípio da isonomia e do contraditório e ampla defesa
( CF. Art. 5° caput e inciso LV), merece guarita a pretensão antecipatória requerida na exordial.
O perigo da demora se evidencia uma vez que o processo de demarcação continua
sua marcha eivada de ilegalidades graves que devem ser afastadas.
Dito isso, DEFIRO o pedido de antecipação da tutela, determinando à Ré que
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suspensa o processo administrativo (e dos estudos antropológicos e complementares) de
ampliação dos limites da terra indígena Enawenê Nawe, em especial a publicação do relatório
circunstanciado de identificação e delimitação da revisão dos limites da referida terra indígena, até
decisão ulterior no presente processo.
Cite-se.
Intimem-se.
Brasília DF, data abaixo.
ADVERCI RATES MENDES DE ABREU
Juíza Federal Titular da 20ª Vara/DF
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